21 agosto 2008

NENA

Peguei-me voando baixo
Ao redor de sua cama.
Se me vires, não fale nada
Deixe-me passar até sair de sua vista.
Siga-me de olhar saudoso
Diga-me adeus de maneira racional.
Feche a janela para que eu não volte a entrar
E a deixe-a fechada para que o resto de nosso amor não saia
Com o vento quente do fim do inverno.

13 agosto 2008

“PODE PASSAR, A ENTRADA É FRANCA!”

Dava pra ver de longe que algo havia ocorrido. Eram 8h05 de uma segunda-feira de céu cinza e ar abafado. Antônio ia a pé ao trabalho quando se deparou com a cena do acidente. No meio a outras centenas de curiosos que se aglomeraram para assistir o espetáculo de entrada franca, Antônio também parou e se posicionou em um dos cantos do circo a céu aberto e vigiava cada movimento do público presente que se deliciava com a agonia da tragédia.

Naquela manhã acordara cedo com o intuito de evitar o desaforo de pegar o ônibus lotado logo no primeiro dia de trabalho da semana. Aquilo o sufocava. O ar rarefeito dentro do veículo, o empurra-empurra e o balanço descompassado o deixavam de mau humor. Resolveu então sair antes, passou na padaria perto de casa, tomou um café amargo e comeu um pastel que pingava o óleo da fritura recente. Caminhava com certa pressa. Seu ponto de entrada era às 8h15. Porém, o acontecimento era grandioso e o misto de curiosidade e emoção o deteve.
 

Ao seu lado se encontrava uma senhora de criança ao colo, na frente um rapaz engravatado e atrás um conhecido do condomínio onde Antônio trabalhava. “Que acidente incrível, né ,Toni?! Olha como ficaram as crianças”, comentou com entusiasmo e cercado de curiosos hipnotizados pelo fato. “É tão emocionante um acidente de verdade. Estão todos satisfeitos com o sucesso do desastre*”, pensou em voz alta sem perceber. De maneira hipócrita o olharam com repressão.

A cada visão panorâmica Antônio percebia que a multidão aumentava, o que dificultava o trânsito no local e fazia com que a polícia construísse um cordão de isolamento. Certamente o fato seria o comentário da semana na cidade, e disso ele teve certeza quando notou a chegada da imprensa. Vinham como corvos ao avistar o alimento em putrificação. Tomaram conta do ambiente, eram soberanos. Aquilo causou inveja na maioria das pessoas afastadas pelo policiamento e que passaram a observar tudo à distância, incluindo Antônio.


O homem então começou a prestar atenção nos repórteres que se debatiam pelo melhor ângulo, pelo melhor depoimento. Fotógrafos e cinegrafistas se deliciavam registrando cada passo do resgate, os danos do acidente, o saldo de feridos e mortos. A repórter da TV tomava o relato da mãe de uma das vítimas que acabara de chegar ao local. Aos prantos ela falava e chorava em frente à câmara, bombardeada por perguntas. “Será um prato cheio para a hora do almoço”, pensou ele se referindo aos telejornais que dominavam o horário do meio-dia. Sentiu náuseas. Virou as costas e seguiu de maneira atrasada ao emprego. 


Era forte o cheiro do sangue fresco e amargo que continuava escorrendo sobre o asfalto quente daquele início de semana trágico e divertido.

*Metrópole – Legião Urbana