17 dezembro 2008

COMO DEVERIA ESTAR

De que é composto o novo
Num labirinto que cheira a pó de estante?
Um fragmento de nostalgia
Uma peça que retrate um amor previamente definido
Com felicidade e utopia?
Qual é a cor do sorriso
Que sem graça reflete o coração vazio?
Laranja como o crepúsculo de fim de dia
Veraz como o azul do céu sem nuvens
Ou gris de tardes alegres imaculadas pela chuva?

O passo não é mais sentenciado pelo ceticismo
Nem mesmo venerado com a fé cega.
O chão responde de maneira firme, dura
Capaz de vibrar, mas não quebrar.
O pó que agora levanta
Esconde as velhas marcas
Do pulsante inábil e sentimento.
O olhar contempla cada movimento
Cada cor reluzida no breve silêncio.

Apertou-me a mão sem compromisso
Não poderia esperar o contrário
Saiu e sequer olhou para o lado.
Deixei-a ir sem pressa
E sem pressa voltei para dentro de mim
Ensaiei um sorriso breve
Mas contentei-me
Com o momento afetuoso de calmaria.

20 novembro 2008

VERSOS DOS 26

Nem sei que cor leva meu rosto hoje
Meu espelho reflete apenas marcas
Um olhar saudoso e hematomas emocionais.
Talvez seja o mesmo rosto de um ano atrás
Ou o rosto que ainda levarei por algum tempo
Mas inconfundivelmente é meu rosto.
Algumas rugas mais tarde o vejo
Atrás de um óculos que mais parece enfeite
E barba rala que insiste em não crescer.
No entanto, mesmo assim me felicitam
Me gracejam por um ano a menos de vida
Em um dia que me soa como os demais.
Deixo o espelho de lado e saio
Evito pensar no que o restante do tempo me reserva
Enquanto espero o ano que vem.

03 novembro 2008

DA BELEZA DA INCERTEZA

Sou incapaz de decifrar seus passos
Ela me intriga, me instiga
Caminha no paralelo entre a razão e a emoção.
Sorri com o laranja que se abre no céu
[Entre nuvens pálidas]
Após um dia alucinógeno de calmaria.
O início do fogo de fim de tarde
Contrasta com seus olhos verdes, prófugos.
Porém, não me entrego ao vício.
Busco diversão em outras peles
Em outras cores, outras gotas de suor.
Pouco adianta.
Abro meus olhos castanhos
E minha retina procura o novo da sua
Quer seguir os movimentos improváveis de seu corpo 

Andar na linha tênue da incerteza
À procura de aventura instável
De leituras clichês em início de madrugada
Com cheiro de café quente
E divagações em silêncio.
Minha mente ferve, viajo, nada encontro.

Lá fora faz uma noite úmida e quente
E o vento que entra pela janela
Ameniza minha febre.
Sento na cama e acendo outro cigarro.
Vejo a cinza deslizar delicadamente pelo ar
Antes de xingar o chão.

Aparecerá novamente esta noite?

26 outubro 2008

OS POBRES CAVALEIROS ALADOS*

Hoje é domingo, mais um dia de batalha. Como sempre, alguém sairá vitorioso e conquistará a mais bela entre as dezenas de donzelas e, certamente, a levará para passear em um lugar mágico no qual novas vidas podem ser criadas. As donzelas também travam belas disputas, cada uma com o traje que julgam ser o mais adequado. Algumas usam uma espécie de pó sobre os olhos e umas roupas que, segundo as ninfetas, ajudam na conquista de espaço no cavalo dos guerreiros. Já os guerreiros cavaleiros batalham a semana toda, mas têm suas recompensas nos momentos de lazer. Esses momentos são frutos de muitas economias, pois no Reino dos Cavaleiros Alados os salários não são tão altos assim.
Muitos desses cavaleiros sequer possuem casa fixa, estudo ou muito conhecimento. No Reino dos Cavaleiros Alados isso não é muito importante. Esses cavaleiros possuem os mais belos trajes e os mais belos cavalos, que os ajudam no crescimento pessoal e na conquista de diversos bens importantes, como a fama e principalmente muitas das mais belas donzelas. As demais posses são secundárias e o que importa é o momento, já que no dia seguinte tudo começa novamente. A idade avançada não parece ser problema. Isso porque essas batalhas entre os mais belos e fortes cavalos não são apenas travadas entre jovens. Não é raro ver cavaleiros mais experientes lutando na conquista das jovens donzelas e na marcação de seu território através dos relinchos de seus cavalos. No Reino dos Cavaleiros Alados alguns cavalos são mais importantes do que a vida de diversas pessoas.
Neste reino, a honra de ter o cavalo mais forte e mais preparado vale um duelo de demonstração do poder, garantindo uma reputação para impressionar as donzelas e criar inveja e respeito aos que não têm cavalo. Este ritual de adoração aos cavalos faz com que hajam seguidos desafios entre os guerreiros. O ritual de disputa é muito interessante, valendo a pena ser citado:
– Os cavaleiros se encontram no campo de batalha. A honra está em jogo. Afinal, os cavaleiros precisam mostrar o vigor de seus cavalos alados. É uma batalha que não podem perder, pois cada cavalo alado, com suas armaduras reluzentes, suas patas lustrosas e imponentes, comprovam o quanto estão bem cuidados e são predominantes no reino de “Cavaleiros Alados”. Cuidado este que, em outros tempos, eram para preservação do animal e não uma simples vaidade de seus cavaleiros. Qualquer lugar ou dia é hora para duelar. A plebe, atônita, acompanha cada minutos com um fascínio típico dos grandes espetáculos. Panes et circencis, ou melhor, pão e circo!
O infeliz bobo da corte, com suas roupas alegres, última moda num reino materialista e distante, chapéu com guiso, olhos tristes e cansados, com sonhos tão simples e superficiais, caminha – sempre pensando: “Ah, quem me dera ser um destes cavaleiros! Possuir um belo cavalo e conquistar as mais belas donzelas” – lentamente em direção ao centro do campo de batalha. Portando em suas mãos uma bandeira vermelha, prepara-se para ter seus dois segundos de fama, que assegurarão bom sonhos – que nunca se concretizarão – mais tarde. Empunha a bandeira bem acima da cabeça e, num gesto rápido abaixa sua tola arma. Cavalos disparam sob o comando seguro de seu cavaleiro pela grande pista, dividida por um belo canteiro central e diversos sinais que podem ser entendidos, mas não obedecidos pelos donos dos cavalos. As donzelas levianas acenam seus lenços, decotes e outros acessórios – antes não permitidos por seus pais, mas agora usados a fim de obter a atenção, garantindo assim, um confortável e luxuoso palácio situado no centro do Reino dos Cavaleiros Alados: lar de egocêntricos cavaleiros materialistas.

*Com Carlos Pace Dori

14 setembro 2008

(IN) CONSCIENTE

Minhas mãos buscam em silêncio
Tua pele aos poucos esquecida
Sentem vontade de tatear
Teu calor antes compartilhado
Sentir o gosto do suor acalorado pelo prazer.
Minhas mãos querem
Mas ao mesmo tempo trocam de canal
Ficam mudas sem estação.
Minhas mãos continuam inquietas
Sedentas de um novo ritmo
Com inspiração de passado presente
Ausente de pecado
De injúria de sentimento inexplicado
Esquecido aos poucos ao respirar
Ressuscitado ao acordar
Deixado de lado pelo consciente
Num choque de duas caras do inconsciente.

21 agosto 2008

NENA

Peguei-me voando baixo
Ao redor de sua cama.
Se me vires, não fale nada
Deixe-me passar até sair de sua vista.
Siga-me de olhar saudoso
Diga-me adeus de maneira racional.
Feche a janela para que eu não volte a entrar
E a deixe-a fechada para que o resto de nosso amor não saia
Com o vento quente do fim do inverno.

13 agosto 2008

“PODE PASSAR, A ENTRADA É FRANCA!”

Dava pra ver de longe que algo havia ocorrido. Eram 8h05 de uma segunda-feira de céu cinza e ar abafado. Antônio ia a pé ao trabalho quando se deparou com a cena do acidente. No meio a outras centenas de curiosos que se aglomeraram para assistir o espetáculo de entrada franca, Antônio também parou e se posicionou em um dos cantos do circo a céu aberto e vigiava cada movimento do público presente que se deliciava com a agonia da tragédia.

Naquela manhã acordara cedo com o intuito de evitar o desaforo de pegar o ônibus lotado logo no primeiro dia de trabalho da semana. Aquilo o sufocava. O ar rarefeito dentro do veículo, o empurra-empurra e o balanço descompassado o deixavam de mau humor. Resolveu então sair antes, passou na padaria perto de casa, tomou um café amargo e comeu um pastel que pingava o óleo da fritura recente. Caminhava com certa pressa. Seu ponto de entrada era às 8h15. Porém, o acontecimento era grandioso e o misto de curiosidade e emoção o deteve.
 

Ao seu lado se encontrava uma senhora de criança ao colo, na frente um rapaz engravatado e atrás um conhecido do condomínio onde Antônio trabalhava. “Que acidente incrível, né ,Toni?! Olha como ficaram as crianças”, comentou com entusiasmo e cercado de curiosos hipnotizados pelo fato. “É tão emocionante um acidente de verdade. Estão todos satisfeitos com o sucesso do desastre*”, pensou em voz alta sem perceber. De maneira hipócrita o olharam com repressão.

A cada visão panorâmica Antônio percebia que a multidão aumentava, o que dificultava o trânsito no local e fazia com que a polícia construísse um cordão de isolamento. Certamente o fato seria o comentário da semana na cidade, e disso ele teve certeza quando notou a chegada da imprensa. Vinham como corvos ao avistar o alimento em putrificação. Tomaram conta do ambiente, eram soberanos. Aquilo causou inveja na maioria das pessoas afastadas pelo policiamento e que passaram a observar tudo à distância, incluindo Antônio.


O homem então começou a prestar atenção nos repórteres que se debatiam pelo melhor ângulo, pelo melhor depoimento. Fotógrafos e cinegrafistas se deliciavam registrando cada passo do resgate, os danos do acidente, o saldo de feridos e mortos. A repórter da TV tomava o relato da mãe de uma das vítimas que acabara de chegar ao local. Aos prantos ela falava e chorava em frente à câmara, bombardeada por perguntas. “Será um prato cheio para a hora do almoço”, pensou ele se referindo aos telejornais que dominavam o horário do meio-dia. Sentiu náuseas. Virou as costas e seguiu de maneira atrasada ao emprego. 


Era forte o cheiro do sangue fresco e amargo que continuava escorrendo sobre o asfalto quente daquele início de semana trágico e divertido.

*Metrópole – Legião Urbana

13 junho 2008

MIGALHAS DE UMA SEXTA-FEIRA OCIOSA

Ela me deixa na mão. Fico apreensivo. Não sei se fantasio. Afinal, minha mente é um poço de autoficção. Mas seria um belo filme.
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Sua foto arquivada na gaveta do criado mudo volta à tona e supera a poeira que encobria o sentimento soterrado pelo tempo.
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Chegou em casa cansado do ócio tedioso que foi o dia trabalho. Estava faminto. Geladeira vazia, tarde fria, cabeça fervendo. Utopia, insegurança, indecisão e vontade de ligar. Não saberia o que dizer. Nem teria o quê. "Boa noite, como foi seu dia?" Não passaria disso. Deixa pra lá.
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“Eu rabisco o sol que a chuva apagou*”. Como achava bonita essa frase da letra. Quantas vezes cantou essa música sozinho, em voz baixa, e pensou nela enquanto viviam separados pela distância. Era apenas um garoto que aprendia a viver sozinho e descobria as armadilhas do coração. Foi feliz.
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Frio. O cachecol passou a faz parte da sua vestimenta diária. Até começou a gostar de usá-lo. Água quente, caneca térmica, cheiro do café. Ah, que vício inseparável. A companhia era On the road de Keroauc. Sim, viajava.
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Em (re) composição. Esta era a ordem dos dias.
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Que nostalgia! Aquela agenda do ano de 2002 era um tesouro. Tinha até uma declaração de amor escondida numa página sem destaque. Mas como tinha destaque. Nunca se apegou a agendas e, como ganhou essa na faculdade, foi a primeira de sua vida. Que coisa. Era justamente a única que tinha guardado. As outras que vieram depois, também fruto de presentes, já não mais existiam. Como esses “regalos” que não o agradavam o perseguiam. Um somente restou.
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Sexta-feira 13. Que mito popular! Azar? Que nada! Pelo menos não estou na estrada sem respiro.
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E hoje à noite? Terminar com a dor de cabeça há de ser a primeira ação. Depois? Uma cerveja e uma conversa de bar com amigos é a melhor pedida. Esvaziar a garrafa e a cabeça cheia até a tampa.
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Sábado? Trabalhar o maldito inteiro! Domingo? Que incógnita! Pelo menos tentar fugir da melancolia que acompanha o primeiro dia da semana.
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Mas que ela me deixa na mão, ah, isso ela faz!

* Giz - Legião Urbana

10 junho 2008

A DOIS

Deixe-me uma lembrança de seu amor. Tentei te dar a felicidade que faltava e não tive êxito. Não esqueça de deixar-me pelo menos uma lembrança.


Acordei e vi que casa estava toda por arrumar. Espalhada por entre as paredes ainda encontrava a lembrança de seus passos que eu seguia para satisfazer minha alma. Agora caminho sozinho, no entanto, não consigo me convencer de que isso seja realmente o melhor para mim. Não me importo, apenas sigo.

Espada na mão, armadura vestida, posição de batalha. Amanhã é outro dia e a luta terá um novo capítulo. Melhor seria a dois.

27 maio 2008

SEIS CIDADES

Há músicas que se vão, que não são mais ouvidas com o passar do tempo, esquecidas, ou deixadas de lado por consciência mesmo. Entretanto, assim como lembranças enterradas no ócio do coração, elas voltam do nada, e com elas trazem uma mochila carregada de sentimentos, flashes sucessivos atrelados a histórias que a poeira cobriu. Não sei afirmar se isso é bom ou ruim, creio que depende muito da paz de espírito vivida no instante em que isso ocorre, como ocorreu hoje. “Meu coração é tão tosco e tão pobre, não sabe ainda os caminhos do mundo”.

27 abril 2008

PELE

Logo não mais fará parte
Estará separado em duas lacunas
Dois lados distintos
E meios termos de parcialidade declarada.
Cada beijo
Cada reza
Aperto de mão
Abraço gelado
Bebida dividida
Música desafinada
Passo em falso
Sorriso sincero
Amor breve
E de intensidade eterna.
Ficarão as marcas
As manchas
As rugas
O início de calvície
A incerteza
Vontade tardia de transformação
A barba por fazer
A casa pra mudar
A vida pra se reciclar.

18 março 2008

NADA ALÉM DO ÓBVIO















Quero viver loucamente apaixonado
Quero acordar e lembrar de meus sonhos mais idiotas
E junto com a lembrança
Sorrir feito um menino.
Quero viver seriamente feliz
Quero sair de mãos dadas debaixo de chuva
Deitar e dormir no colo
Cochilar em frente a um programa chato de tv.
Quero partir minha alma com amor
Quero queimar no sol
Sentar, esperar e ver o dia passar
Esquecer que um dia houveram relógios.
Quero chorar com um sorriso aberto
Quero dizer adeus com o coração apertado
Olhar para trás e viver tudo novamente
Cada segundo, cada reza, cada beijo.
Quero abraçar e sentir o calor me aquecer
Quero sentir o cheiro do abraço em meu corpo logo depois
Ficar sem fazer nada
E assim construir uma nova história.
Quero escrever “eu te amo” com o dedo na vidraça
Quero ver sumi-lo logo depois
Mas ver também a expressão no rosto
E o amor entre os dentes.

POR DETRÁS DOS OLHOS

Atrás do verde
A escuridão
Atrás da nobreza
A população.

Plantação ao lado
Da selva de pedra
Indivíduo mudo
Perdido no escuro.

Ferramenta na mão
Avião no céu
País em construção
Bombas ao véu.

Tristeza no rosto
É claro o desgosto
Da vida banal
No país do carnaval.

17 março 2008

TEMPO















E quanto a nós
Morremos aqui
Mendigando um dedo de Deus
Esperando a febre passar
O sol aquecer nossos rostos
E a água refrescar nossos corpos.
Sonhamos com dias melhores
Com dores menores
Com sorrisos sinceros
E amores eternos.
Escondemos nossos corações
Lutamos para não chorar
Fingimos compaixão
E damos tempo ao tempo.