21 maio 2012

COMO UMA CANÇÃO DOS BEATLES

Fumava num canto da cozinha enquanto eu separava o pó para preparar o café. Em algum momento lhe perguntei qual xícara preferia, mas sabia que gostava da bebida com pouco açúcar. Ela batia as cinzas do cigarro na fresta da janela e me contava um problema qualquer do seu dia cansado. Os cabelos castanhos longos e molhados depois do banho lhe caiam sobre o rosto e pareciam me convidar para que eu me aproximasse e os ajeitasse com uma das mãos. Os olhos verdes reforçavam o pedido. Eu a via falar e falar e falar e pensava como tinha se transformado num personagem para os melhores enredos de textos que ainda escreveria. A fotografia daquela noite gelada de abril ainda me inspira. E, ao fim de tudo, me dei conta de que ela havia se tornado o sentimento saudoso e inexplicável que as canções dos Beatles me traziam.

16 maio 2012

PRÓXIMO TREM

Empurrei a porta
Parti pelo corredor
Corri das lembranças que me seguiam
E a luz do dia me cegava.
Segui.
Tropecei, levantei.
Ah! Um grito
Misto de raiva e dor.
Inábil coração
Oração de mãos coladas
Então separadas.
Calor
Sufoco
Foi por pouco,
Amor ator.
Partida
Só de ida
Sozinha
E, agora?
A mesma estação
Uma nova linha.

07 maio 2012

NAS TARDES DE DOMINGO

Arrumei tua mala com todo o carinho restante e olhe, meu querido, não é pouco. Dentro até  coloquei umas folhas secas de acácia para perfumar. Quero que tu vás bem, de cabeça erguida, limpo. Teus óculos escuros estão no bolsinho da frente. Certamente tu o usarás nestes dias claros. Aliás, tenho a impressão de que este sol do inverno parece deixar as manhãs mais coloridas, com mais vida. É disso que precisamos, vida. Por isso, parta e não te preocupes comigo, não te preocupes se eu ficar partida. E, se por acaso perguntarem por mim, apenas digas que fiquei bem, sóbria, embora pela metade.

E eu sei que sentirei tua falta nas tardes de domingo...